Um amigo, o Leo Plugel, me fez duas perguntas:
Por que a vida anda tão difícil para as bandas de Rock? E por tabela, para quem hoje em dia quer escutar rock´n´roll?
Essa foi minha (longa) resposta:
Em se tratando de uma questão tão complexa, só posso partir de algum exemplo concreto e pessoal. Ontem mesmo fiz um post no facebook em tom de reclamação:
“Ando com muita antipatia pelas bandas da nova cena. E acho que sei de quem é parte da culpa.... É de quem me vende gato por lebre, apontado pra elas quando vão falar de rock´n´roll. Aí eu corro atrás, na esperança de encontrar uns riffs maneiros de guitarra, uns esporros, umas barulheiras..... e me deparo com coisinhas delicadinhas, tipo o Baleia.
E talvez eu pudesse gostar do Baleia. (podia ter usado o Dônica como exemplo) Se ninguém tivesse feito o disparate de se referir a eles como se tivesse algo a ver com rock.”
O post teve mais de 80 comentários, feito por mais de 20 amigos / conhecidos (a discussão mobilizou alguns amigos dos amigos). A maioria se esforçou para elencar as bandas / cantores que estão aí, fazendo rock´n´roll pra valer. Claro que em algum momento se discutiu o que seria “rock de verdade” – afinal trata-se de um gênero que já completou 60 anos, e nesse período já surgiram uma infinidade de sub-gêneros e escolas. Acabei arriscando uma definição bem simples: música com ênfase na guitarra elétrica e mixagem que não dê ao canto um peso maior do que dá aos outros instrumentos do conjunto – ao qual um amigo (Fábio Caldeira, da banda Os Imperfeitos) acrescentou o discurso provocativo / contestatório, em termos de letras e performance.
Curioso é que ninguém percebeu que o post não era uma queixa contra as bandas em si, e sim contra quem me “vende gato por lebre”: a imprensa e o departamento de marketing das gravadoras. A tal banda Baleia havia sido citada recentemente por vários amigos como “uma das bandas maneiras do rock atual”, e daí que tenha ficado irritado quando escutei: a banda talvez seja boa, mas simplesmente não tem quase nada de roqueira. Um caso mais notório: o Suricato. Em especial quando se fala hoje de indie, termo que para pessoas da minha idade (tenho 37) remetia ao Pixies, Guided By Voices ou ao Dinosaur Jr, a imprensa está se referindo à tecno-pop sintetizado (Foster The People, Mahmundi ou Hot Chip) ou, no caso brasileiro, à neo-tropicalismos como Do Amor, Fino Coletivo, Metá Metá, Tono ou mesmo o Passo Torto. O eu me parece muito claro é que o rock´n´roll ainda tem muito apelo publicitário. Porque além de uma sonoridade o rock é também um conjunto de fotografias, capas de discos, filmes, poemas, matérias de jornal, causos e episódios históricos. Woodstock, John Lennon e Yoko por dias na cama protestando contra a Guerra no Vietnã, a série Vinyl produzida por Martin Scorsese, romances como “Trainspotting”, ácido lisérgico, o single “Rumble” sendo censurado, Renato Russo morrendo de AIDS etc etc etc: tudo isso faz parte do imaginário sobre o rock´n´roll. E como todo acervo simbólico é utilizado pelos publicitários e jornalistas para “vender seu peixe”, seja a coleção Inverno de uma grife de roupas ou uma pauta que vai estampar a primeira página da Revista de Domingo do jornal O Globo.
Anitta desfilando com a banda Ramones estampada na camiseta: aí está uma indubitável evidência do apelo que o rock´n´roll ainda tem. O estranho é que a isso não corresponda um mercado para as bandas de rock. Há pouquíssimas casas de shows, revistas especializadas, festivais e lojas de discos dedicadas ao gênero . Muitos festivais, como o Rock in Rio, e revistas, como a Rolling Stone, se pretendem roqueiros, mas são absolutamente irrelevantes para quem realmente entende do riscado – esses preferirão freqüentar o Festival de Aldeia Velha ou o Solstício do Som em Petrópolis e ler revistas como o Poeira Zine (por sinal o Bento Araújo conseguiu publicar quase 70 números, bimestrais, mas agora, por causa da queda nas vendas, está transformando a Poeira em portal de notícias na internet).
Roqueiros mais velhos, acima dos 50 anos, costumam ter uma resposta na ponta da língua: está faltando o tripé de sustentação da “cena”, que seriam a Rádio, a Casa de Show e a Gravadora. O que aconteceu nos anos 80, por exemplo, no Rio de Janeiro, é que a loja Satisfaction podia lançar um disco do Blues Atílicos, enviar o LP para a Fluminense FM tocar e no mês seguinte agendar um show no Circo Voador. A falência da rádio FM (hoje substituída pelo YouTube, bandcamp e outros serviços de streaming) e a das gravadoras (hoje empresas como a Sony ou a EMI praticamente só distribuem discos que já chegam prontos, inventem na promoção desses discos mas só levam para o estúdio e arcam com os custos de gravação quando se trata dos medalhões, com milhões de fãs já previamente conquistados) deixou os artistas à deriva. A maior parte das bandas de rock prefere hoje usar estratégias de guerrilha – uma muito comum é tocar nas ruas e praças (o que tem gerado um boom de trios instrumentais, já que é muito difícil reproduzir bem a voz com uma estrutura de P.A. portátil) -, gravando, distribuindo e divulgando seu trabalho de forma independente.
Acho que o rock anda em baixano planeta quase todo.À exceção dos países onde o rock (fundamentalmente um misto de blues, country e soul) equivale à música popular tradicional (EUA e Reino Unido) , ele perdeu o posto de música jovem por excelência para o hip hop e a música eletrônica. E existe uma hipótese quase marxista pra isso, porque leva em consideração uma transformação tecnológica e estrutural: os computadores e sintetizadores permitem gravações caseiras de alta qualidade, mas não são suficientes para se produzir um bom disco de rock´n´roll. Além disso não é preciso saber cantar para fazer rap. (Gravações mais minimalistas, com poucos instrumentos acompanhando o violão, podem ser bem gravadas em casa, daí que muita MPB possa ser produzida assim, e muita gente do rock tenha partido para sons mais próximos do folk, como o Suricato.)
Mas posso também divagar commais liberdade, e buscar razões mais sociológicas pro fenômeno. O rock´n´roll é um gênero que se fundamenta na canção, e a canção está em crise porque ela exige uma audição insistente e preferencialmente íntima – em casa, com calma -, o que era proporcionada pelos discos, que já ninguém compra! Um ótimo artigo a respeito é “A Era do Disco”, do professor Lorenzo Mami, publicada na revista Piauí. O que existe é um acervo de canções já clássicas, de bandas dos anos 60 aos 90, que são entoadas como hino pelas multidões, mas que cansam os ouvidos mais exigentes pelo execução excessiva nas festas e shows. Eu posso até adorar o R.E.M. ou o Barão Vermelho, mas não agüento mais escutar “Shine on Happy People” ou “Bete Balanço”.
Veja o caso do afrobeat (banda Bixiga 70), das brass bands (Orquestra Voadora), das baterias de samba (Monobloco) ou do jazz (o ultra bem sucedido festival de Rio das Ostras), ou das batalhas de MCs, gêneros que andam super badalados – e que não são necessariamente música “de balada”, pra encher a cara e “azarar”: são todos espetáculos onde o repertório é pouco importante e é a performance que se sobressai. Mais do que escutar certas canções, o que o público quer nessas situações é ver aqueles artistas improvisando, exibindo seu virtuosismo. Mesmo as rodas de samba, com sua tradicional abertura para a participação aos espectadores, cantando junto ou sentando à mesa com seu violão, para “dar uma palhinha”, podem ser vistos dessa maneira.
Finalmente, e pensando maisespecificamente no Rio de Janeiro, há o acúmulo de maus hábitos cultivados pelos músicos e pelas casas noturnas, em se tratando do rock: precariedade dos equipamentos, shows que começam tarde demais e acordos aviltantes aos músicos quanto à divisão aos rendimentos dos shows. Os roqueiros do Rio se acostumaram a trabalhar em péssimas condições. E fãs do gênero como eu, que já não são moleques, se irritam com toda essa precariedade. Tem casas de shows que eu simplesmente me recuso a freqüentar devido ao som ruim (circuito Matriz em geral), ou aos atrasos (o Escritório da Transfusão Records) ou até por saber como tratam os músicos que lá se apresentam (Rio Rock & Blues Clube, na Lapa). Sem falar nos altos preços de certos lugares (Vivo Rio ou Claro Hall).
Existe um imenso públicoroqueiro formado por adultos na faixa dos 30 aos 60 anos, pessoas com alto poder aquisitivo e que ainda saem madrugada adentro na sexta e no sábado. Mas para essa rapaziada há poucas opções interessantes. E por interessante entenda-se não só serviços bem prestados – bom som, pontualidade, cardápio variado etc – mas também atrações artisticamente relevante – via de regra as bandas mais legais tocam nos lugares mais mambembes. E essa dificuldade tem paralelo na incapacidade da imprensa e dos publicitários em vender rock´n´roll sem apelar para o tradicional aspecto adolescente / teenager ao qual o gênero sempre foi associado. A imprensa e os publicitários simplesmente não sabem o que fazer com uma banda como o Wilco ou o Pelvs (aqui do Rio), bandas de caras quarentões, que não são viciados em heroíne, nem usam roupas rasgadas, nem são tatuados ou ficam saltitando no palco, cheio de caras & bocas.